Violência política segue silenciando e matando lideranças femininas
A vereadora Marielle Franco, assassinada em março de 2018 Foto: Reprodução/Instagram
Da redação
Já passava das 21h, quando uma mulher negra, da periferia e um colega de trabalho, foram assassinados a tiros quando voltavam para casa. Era mais uma mulher negra e um trabalhador que engrossava as estatísticas frias dos obituários. Poderia ser mais uma, mas não foi. As vítimas eram a Vereadora Marielle Franco (PSOL) e Anderson Gomes, seu motorista. Única parlamentar negra e moradora da periferia carioca, foi morta em um crime político e premeditado, que segue a seis anos sem solução e com autoria desconhecida.
Quem mandou matar Marielle e por quê?
São perguntas que a família e defensores dos Direitos Humanos não cansam de fazer. À época do seu assassinato, Marielle era relatora da comissão responsável pela fiscalização da intervenção federal militar na segurança pública do Rio de Janeiro, que colocava a gestão das polícias sob responsabilidade do general Walter Braga Netto. Ela fazia a defesa incisiva da ocupação das mulheres negras e da periferia nos espaços de poder e decisão, combatendo as desigualdades de gênero, de raça e de território. Bem como estava comprometida com efetivação dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
Num país que tem aproximadamente um quarto da população formada por mulheres negras, segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas (IPEA), Marielle era a única parlamentar negra entre as/os 51 representantes do legislativo municipal eleitas/os em 2016; e uma das 32 mulheres negras entre os 811 vereadoras/es eleitas/os nas capitais brasileiras. Ela, que foi eleita democraticamente com 46.502 votos, sendo a quinta parlamentar mais votada da cidade nas eleições de 2016, foi assassinada no exercício da função pública. Um crime político, sem dúvidas.
Em Recife, capital pernambucana, a também Vereadora Elaine Cristina (PSOL), única parlamentar negra da Câmara Municipal, afirma que a violência política vivida pelas mulheres negras e vindas das periferias é algo presente. “Não raro eu ou alguém da equipe da nossa Mandata sermos abordadas/os sobre estar nesse espaço. Já tivemos, inclusive, episódio de parlamentares que nos confundiam entre outras lideranças negras. Percebemos com isso como os nossos corpos negros, nossos cabelos e nosso jeito mexem com as estruturas. E justo por isso, nós somos necessárias!”, lamenta.
Ela ainda explica que a violência política não se dá apenas com tiros, como no caso de Marielle. Mas que ela acontece nas diversas formas do silenciamentos, na ausência de quórum para discussões específicas, na apropriação de falas e proposições discutidas em espaços coletivos. “Já precisei pedir a atenção dos colegas em momentos da minha fala na tribuna porque as conversas e risadas entre eles excederam o volume. São atos desrespeitosos, mas que ao mesmo tempo mostra que devemos seguir, porque o compromisso é com o povo recifense”, afirma.
É fato que o cenário está em transformação e agora já encontramos mulheres negras, indígenas e do campo em espaços legislativos. Mas não podemos esquecer que uma presidenta eleita democraticamente, Dilma Vana Roussef, foi deposta em 2016, embora sem cometer qualquer crime. Numa clara expressão de misoginia e violência política, talvez as mesmas que matou Margarida Alves, a líder camponesa assassinada por lutar por melhoria nas condições de trabalho das/os canavieiras/os na Paraíba, em 1983; que matou Nilce de Souza Magalhães, a Nicinha, liderança do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) enquanto defendia os direitos das comunidades atingidas pelas hidrelétricas no Rio Madeira, em Rondônia, em 2016. No mesmo ano, Francisca das Chagas (Maranhão), e no ano seguinte, Maria Trindade (Pará) também foram assassinadas. Ambas lutavam por seus territórios, pelos direitos dos povos do campo e da floresta e contra o racismo que os exclui do acesso à terra desde a colonização.
Não podemos nos esquecer de Giovana Teododo, indígena Kaigang e Sônia Vicente Cacau Gavião, “Cry Capric” igualmente assassinadas enquanto lutavam pela demarcação de seus territórios, em 2016 e 2017, respectivamente.
São muitas as Marielles assassinadas e seus mandantes não identificados, vivendo livremente!!
Esse cenário de violências políticas e físicas pontua a necessidade de ações e campanhas que visam ao fortalecimento de mulheres negras, rurais e populares, com perspectiva feminista decolonial para o enfrentamento desse (talvez crescente) contexto de crise democrática e civilizatória em que vive o Brasil e a América Latina. Um exemplo é a campanha Eu Voto em Negra, do Projeto Mulheres Negras e Democracia, que atua em toda a região Nordeste do Brasil. A iniciativa é da Rede Mulheres e Democracia e articulada pelas organizações Casa da Mulher do Nordeste (CMN); Centro das Mulheres do Cabo (CMC) e Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR/NE), em parceria com a Rede de Mulheres Negras de Pernambuco e a Rede de Mulheres Negras do Nordeste.
2024 é um ano de eleições municipais. Cabe a reflexão sobre quais as pessoas representam os nossos interesses e quem queremos colocar no poder.
O mandato de uma mulher negra, favelada, periférica, precisa estar pautado junto aos movimentos sociais, junto à sociedade civil organizada, junto a quem está fazendo para nos fortalecer naquele lugar onde a gente objetivamente não se reconhece, não se encontra, não se vê.
Marielle Franco
Com informações do Instituto Marielle Franco, Terra de Direitos e Campanha Eu Voto em Negra
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