Ana Rüsche, Cida Pedrosa, Júlia de Carvalho Hansen, Lubi Prates, Luiza Romão, Rodrigo Luiz P. Vianna e Thiago Ponce de Moraes viajam a convite de festival internacional em Hangzhou e Pequim
Cida Pedrosa - Foto: Roberto Jafier
Cida Pedrosa - Foto: Roberto JafierO International Youth Poetry Festival in China, organizado pela Associação Chinesa de Escritores, ocorre no final de julho. O evento conta com a presença de autores de países que formam o BRICS, acrônimo da parceria entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, hoje com outras nações. “Os jovens poetas, a principal força atual da criação poética em todo o mundo, representam a esperança e o futuro da literatura", afirmam os organizadores.
De acordo com a organização, o evento receberá cerca de 80 poetas: 30 chineses e 50 poetas de outras nações. Com a participação de sete escritores brasileiros, o festival tem como mote um verso do poeta clássico Zhang Jiuling (673–740), "Time Together Across The World". “Esta citação representa a nossa grande expectativa pela poesia, os nossos votos apreço pela juventude e o desejo de amizade”, explica o comitê organizador. A seleção de poemas dos participantes será reunida em antologia, com tradução ao chinês.
“Ser convidado a participar do Youth Poetry Festival na China é uma honra e uma alegria. Todos os encontros que tive com poetas chineses até hoje, seja nos livros, seja nos festivais, me legaram uma impressão incrível da vastidão e da força da poesia chinesa. O trabalho poético de tantos poetas chineses contemporâneos e clássicos, sobretudo da poeta Yu Xuanji (844-869), me emprestaram imagens e me ensinaram paisagens que agora poderei experimentar in loco, com a sensibilidade expandida por esses poemas. Sigo em direção a este encontro babélico, pleno de vozes e de vário, de arcaico e de novo, de singular e de múltiplo; sigo em direção a este encontro babélico cheio de desejo, como no poema de Yu Xuanji: “Folhas de bordo, milhares, ramo após ramo/ no rio, às pontes. Poente, e os barcos não chegam./ Flui dia e noite, Senhor, o rio: meu desejo/ oeste a lesta não para, nem um descanso”, comenta Thiago Ponce de Moraes.
O perfil dos brasileiros e alguns depoimentosDe acordo com a Associação de Escritores Chineses, “poetas com realizações notáveis dos países do BRICS foram convidados”. Ana Rüsche, Cida Pedrosa, Júlia de Carvalho Hansen, Lubi Prates, Luiza Romão, Rodrigo Luiz P. Vianna e Thiago Ponce de Moraes terão a oportunidade de apresentar um pouco do vasto cenário brasileiro.
Com vozes e produções tão distintas, destaca-se como convergência o reconhecimento de seus trabalhos. Ana Rüsche, Lubi Prates e Thiago Ponce de Moraes foram finalistas do Prêmio Jabuti, distinção que as escritoras Cida Pedrosa e a Luiza Romão conquistaram. Rodrigo Luiz P. Vianna recebeu o Prêmio da Fundação Biblioteca Nacional. Cida Pedrosa ainda recebeu o Prêmio Guerra Junqueiro Lusofonia e o Prêmio APCA; enquanto Luiza Romão é semifinalista do Prêmio Oceanos. Lubi Prates também é finalista do Prêmio Rio de Literatura.
Outro ponto em comum é a pesquisa e a curiosidade pela atual geração. Muitos dos presentes na delegação já ofereceram oficinas de poesia, pesquisam e incentivam seus pares. Júlia de Carvalho Hansen e Lubi Prates atuam também como editoras. Júlia trabalhou com a Chão da Feira, casa independente coordenada por mulheres. Lubi Prates, com a nosotros, publicando mulheres em edições bilíngues (português-espanhol); e agora edita na nossa editora, casa editorial voltada a produções de/para/por pessoas negras. Já Rodrigo Luiz P. Vianna e Thiago Ponce de Moraes atuam na tentativa de difusão através das redes, o primeiro criando e produzindo o podcast poesia pros ouvidos e o segundo a página @poemateca do Instagram.
E esse processo de construção e escavação da linguagem também possui estágios acadêmicos. Júlia de Carvalho Hansen é mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa. Luiza Romão é mestra e doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo. Lubi Prates é doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo. Thiago Ponce de Moraes é doutor em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense. Já Ana Rüsche possui um pós-doutorado em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo e cursa o segundo doutorado na Universidade de Brasília, com ênfase em ecologia e literatura.
"O Borges tem um conto chamado 'O idioma analítico de John Wilkins' em que ele fala de uma certa (imaginária) enciclopédia chinesa que catalogava os animais a partir de critérios bastante inusitados, para não dizer, impensáveis. O conto é tão intrigante que Foucault o utiliza como ponto de partida no seu livro As palavras e as coisas, dizendo o seguinte: 'o texto de Borges aponta para outra direção; a essa distorção da classificação que nos impede de pensá-la, a esse quadro sem espaço coerente Borges dá como pátria mítica uma região precisa, cujo simples nome constitui para o Ocidente uma grande reserva de utopias. A China, em nosso sonho, não é justamente o lugar privilegiado do espaço?'. Nesse sentido, o convite para participar do Youth Poetry Festival na China me chega revestido de maravilhamento. Espero nesses dias de poesia e troca entre poetas de diferentes partes adentrar nesse lugar (utópico) em que o pensar se articula de outra maneira e os poemas se traduzem em ideogramas verticais; e desde dessa diferença, tentar mirar como propõe Zhang Jiuling algum ponto comum - "luminosa lua a se erguer no mar", reflete Luiza Romão.
“Estar no Youth Poetry Festival na China é participar de um grito de resistência, principalmente porque os países escolhidos formam os Brics e hoje pautam uma nova geopolítica mundial. A China lidera este processo e é muito bom realizarmos trocas culturais. Levar minha literatura tão nordestina, vinda do Sertão de Pernambuco, para o outro lado do mundo é uma felicidade. Espero que nestes dias possamos nos misturar, aproveitarmos esse intercâmbio de escritores e culturas para reforçar a importância da literatura”, comentou Cida Pedrosa.
"Pra mim foi muito curioso selecionar os poemas para declamar no Youth Poetry Festival na China. Não escolhi os mesmos que costumo ler no Brasil, ou em lugares como Portugal ou os Estados Unidos. Isto porque, tentando imaginar como as palavras vão ecoar numa outra língua e cultura tão distinta da brasileira, percebi não ter nenhuma visibilidade neste horizonte de expectativa… o que, certamente, traz o enigma poético pro centro da experiência da troca entre poetas e culturas. Parece uma miragem, das boas. Dizer que estou animada é pouco.", diz Júlia de Carvalho Hansen.
"Participei no ano passado de um evento literário de grande porte na China, a 81st World Science Fiction Convention (Worldcon), em Chengdu, voltada à ficção científica, com 80 escritores de diferentes partes do mundo. Isso causou um impacto grande em minha escrita e até trouxe novas formas de pensar a própria produção. Retornar, à convite da poesia, vai ser emocionante, inclusive por viabilizar o contato com tradições com as quais não possuo familiaridade. Voltarei com os cadernos cheios", diz Ana Rüsche.
O evento e detalhes da programaçãoAs atividades ocorrem de 18 a 24 de julho de 2024. A programação será realizada em Pequim e em Hangzhou. Além de leituras, os participantes visitarão museus e localidades históricas, como a Grande Muralha e a Cidade Proibida.
“A gente escreve nessa expectativa de lidar, de certa forma, consigo mesmo, com a nossa relação com o mundo e com a linguagem, sem imaginar muito como isso vai reverberar. O convite, assim, chega completamente de surpresa. É difícil imaginar algo que começa num rabisco de caderno chegar tão distante. É um retorno muito significativo do que a palavra é capaz, nisso que nos une enquanto humanos, mesmo entre tantas distâncias, sejam elas físicas, culturais, sociais”, afirma Rodrigo Luiz P. Vianna.
A programação ainda reserva espaço para um seminário para discutir inovação na poesia. Os participantes foram convidados a escrever um ensaio sobre o tema para debaterem em um seminário. Recriar a linguagem é uma das perspectivas da escrita poética. A poesia amplia a linguagem, portanto amplia o nosso mundo.
Lançamentos e projetos novosAna Rüsche lançará em agosto Ferozes melancolias, ensaios sobre o amor, a viagem e a escrita, pela Rua do Sabão, inclusive contando de sua primeira viagem para a China. Em 2025, lança romance pela Rocco.
Ana Rüsche e Lubi Prates publicarão o livro Inesquecíveis — quatro séculos de poetas brasileiras, uma obra crítica, com antologia de poemas, a ser lançada pela Bazar do Tempo em março de 2025.
Cida Pedrosa lançará em agosto a segunda edição do livro Claranã, escrito em métricas e rimas de cantoria de repente, semifinalista do prêmio Oceanos. Em 2025, vai lançar o livro de poemas Ruah pela Companhia das Letras, construído a partir das memórias de infância.
Júlia de Carvalho Hansen está finalizando seu novo e quinto livro de poemas, Ano Passado, a ser publicado pela Nós, ainda em 2024. Trata-se de um livro de memórias, em que as fronteiras entre o diário e o poema são borradas.
Rodrigo Luiz Pakulski Vianna: seu segundo livro, não era uma cidade, será publicado pela Laranja Original em 2024.
Thiago Ponce de Moraes publicará a plaquete de poesia Limites do diáfano, pela editora Primata. Outros projetos incluem: organização e tradução de antologia poética da obra do poeta palestino Najwan Darwish, pela editora Urutau, com o título Um garoto de Haifa gira a palavra e outros poemas palestinos; organização e tradução, em parceria com Eduardo Ferraz Felippe, de antologia poética da obra do poeta estadunidense Yusef Komunyakaa, pela editora Malê, com título provisório Ode ao saxofone e outros poemas de jazz. Além disso, participará, em setembro, do X Festival Mundial de Poesía Contemporánea de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, México.
Biografias resumidasAna Rüsche (São Paulo, SP, 1979). Autora de Furiosa e Nós que adoramos um documentário, entre outros livros de poesia, foi finalista do Jabuti com a novela A telepatia são os outros. Concluiu pós-doutorado em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo e cursa o segundo doutorado na Universidade de Brasília, com ênfase em ecologia e literatura.
Cida Pedrosa (Bodocó, PE, 1963) É autora do livro Solo para Vialejo, vencedor do Prêmio Jabuti 2020 nas categorias Livro do Ano e Livro de Poesia e do livro Araras Vermelhas, Melhor Livro de Poesia de 2022, pelo Prêmio APCA e finalista do Prêmio Jabuti 2023. Vencedora do Prêmio Guerra Junqueiro Lusofonia 2023. É advogada de direitos humanos e Vereadora do Recife pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Júlia de Carvalho Hansen (São Paulo, SP, 1984). Poeta, astróloga e professora. Foi editora na Chão da Feira, casa independente coordenada por mulheres, por onde lançou Seiva veneno ou fruto e Romã, seus livros mais recentes. Estudou Letras na Universidade de São Paulo e é mestre em Estudos Portugueses pela Universidade Nova de Lisboa.
Lubi Prates (São Paulo, SP, 1986). Poeta, editora, tradutora, curadora de literatura e psicóloga. Seu livro um corpo negro foi finalista do Jabuti e do Prêmio Rio de Literatura. Foi editora da nosotros, publicando mulheres em edições bilíngues (português-espanhol) e é editora da nossa editora, para publicação de autores negros. Doutora em psicologia pela Universidade de São Paulo.
Luiza Romão (Ribeirão Preto, SP, 1992). Poeta e atriz, autora de Sangria, Nadine e Também guardamos pedras aqui (vencedor do Prêmio Jabuti de Melhor Livro de Poesia e Melhor Livro do Ano; e Semifinalista do Prêmio Oceanos). Mestra e doutoranda em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo. Pesquisa poesia e performance.
Rodrigo Luiz P. Vianna (Porto Alegre, RS, 1981). Autor de Textos para lembrar de ir à praia, ganhou o Prêmio Alphonsus Guimaraens da Fundação Biblioteca Nacional. Fez o Curso Livre de Preparação de Escritores, além de ter criado o podcast poesia pros ouvidos. É jornalista e professor.
Thiago Ponce de Moraes (Rio de Janeiro, RJ, 1986). Poeta, professor e tradutor, publicou, entre outros, os livros de poemas Espacelamentos (2023) e Dobres sobre a luz (2016), finalista do Prêmio Jabuti; e a seleção de poesia bilíngue Glory Box. Doutor pela Universidade Federal Fluminense com trabalho sobre a obra de Paul Celan, é docente e pesquisador no Instituto Federal do Rio de Janeiro. Coordena o projeto de leitura e difusão de poesia na página @poemateca do Instagram.
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